Como o Hamas passou de um grupo partisan a um grupo terrorista

O artigo explica o que são grupos partisan, delimita o conceito de terrorismo e apresenta diferentes abordagens sobre o Hamas e sua origem.

10/10/20256 min ler

a man riding a skateboard down the side of a ramp
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Hamas: partisan ou grupo terrorista?

O termo partisan, que em português pode ser traduzido como “partidário” ou “combatente de resistência”, tem origem histórica associada aos grupos que lutavam contra forças de ocupação, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial. Os partisans, muitas vezes, atuavam em contextos de assimetria militar e política, utilizando táticas irregulares e clandestinas com o objetivo de libertar territórios ou desafiar regimes autoritários. Embora seja, em essência, um ator político e militar que se opõe a uma força opressora, a linha que o separa do terrorismo pode ser tênue, dependendo dos métodos empregados e das interpretações políticas em jogo. Resumindo, partisan é aquele que possui caráter telúrico, táticas de guerrilha, objetivos políticos e tropa móvel. Soa parecido com aquilo que o Hamas tinha como caráter no seu surgimento, na década de 1980. Em contrapartida, quando a resistência armada de um partisan extrapola a luta contra forças militares e passa a atingir civis com o intuito de gerar medo ou instabilidade, a narrativa da resistência pode passar a ser mais parecida com a do terrorismo.

A definição de terrorismo é uma das mais controversas nas Relações Internacionais, variando amplamente entre instituições, Estados e acadêmicos. “O terrorismo cria a incerteza por ser imprevisível. A hora, o local e a identidade do criminoso são uma surpresa. Esse tipo de ação geralmente tem como alvos civis que estão simplesmente realizando suas atividades cotidianas. Eles não podem saber quem – entre seus companheiros de viagem no metrô, em um ônibus ou em um avião, ou mesmo no meio de uma multidão ou sentado junto deles em um restaurante – vai ataca-los. Os atos de terrorismo em si, mesmo que relativamente menores, são lembretes constantes da vulnerabilidade dos indivíduos (Crenshaw, 2010, p. 39).” Essa perspectiva acadêmica destaca o terrorismo como um fenômeno de natureza comunicativa e estratégica, mais do que meramente violenta. Todd Sandler, por sua vez, define o terrorismo como “uso premeditado da violência ou da ameaça por grupos subnacionais para intimidar e influenciar decisões políticas”, uma concepção que, embora semelhante, amplia o escopo ao incluir a ameaça como instrumento central de coerção.

No plano internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem tentado, desde a década de 1970, construir uma definição universalmente aceita, sem sucesso. A Assembleia Geral, por meio da Resolução 49/60 de 1994, descreveu terrorismo como “atos criminosos destinados ou calculados para provocar estado de terror na população geral ou em grupos de pessoas, com fins políticos, filosóficos, ideológicos, raciais, étnicos ou religiosos”. Essa definição, embora ampla, enfrenta resistência de países que a consideram insuficiente por não distinguir claramente terrorismo de movimentos legítimos de libertação nacional. A ausência de consenso decorre, em parte, da dificuldade em conciliar o princípio da soberania com o direito à resistência contra a opressão.

Nos Estados Unidos, a definição legal de terrorismo é mais pragmática e voltada para a segurança nacional. A legislação americana o caracteriza como “atos violentos ou perigosos à vida humana, em violação às leis criminais, que aparentam ter a intenção de intimidar ou coagir uma população civil ou influenciar políticas governamentais”. Tal concepção reforça o entendimento de que o terrorismo é essencialmente um ato de intimidação política, mas diferencia a violência praticada por Estados da violência praticada por atores não estatais — distinção criticada por estudiosos como Noam Chomsky, que apontam a seletividade dessa abordagem. Já a China adota uma definição mais ampla e política: o terrorismo é entendido como qualquer ação que cause “pânico social” e que desafie a autoridade do Estado, incluindo motivações separatistas ou extremistas. Essa amplitude conceitual permite ao governo chinês enquadrar como terrorismo práticas de contestação política interna, o que gera críticas de organizações internacionais de direitos humanos.

O Brasil, por sua vez, formalizou a definição jurídica de terrorismo apenas em 2016, com a Lei nº 13.260. O texto legal define terrorismo como a prática de atos por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião, com o propósito de provocar terror social ou generalizado, expondo pessoas, patrimônio e a paz pública a perigo. A legislação brasileira, entretanto, inclui uma cláusula de salvaguarda que exclui manifestações políticas e sociais legítimas, a fim de impedir que o conceito de terrorismo seja usado para criminalizar movimentos sociais. Apesar de representar um avanço normativo, essa definição é considerada restrita por alguns juristas, uma vez que não abrange outras motivações ideológicas ou políticas e deixa margens para interpretações ambíguas.

O debate conceitual evidencia que o terrorismo é uma ferramenta a fim de promover terror por meio de seus atos e comportamentos, cujas táticas refletem relações de poder e contextos culturais. Entretanto, o desacordo teórico permanece: o terrorismo pode ser compreendido tanto como método de guerra irregular quanto como manifestação extrema de conflito político e ideológico por meio de táticas terroristas com objetivo de propagar terror. A delimitação entre terrorismo, insurgência, guerrilha e resistência — ou entre partisan e terrorista — continua a ser um dos principais desafios normativos e analíticos das Relações Internacionais contemporâneas. Mas que pode ser solucionado pela diferenciação entre ambos por meio do conceito de partisan citado ao começo do artigo. O ponto chave é compreender que partisan possui caráter relativo à terra (seja ela qual for), apresenta tropa móvel, é um combatente irregular e, por fim, detém em si engajamento político. Já o terrorismo pode ter inúmeras finalidades, sendo arriscado definí-lo e por isso é mais recomendável observá-lo por meio de suas táticas e estratégicas. Em suma, o terrorismo busca causar terror seja por meio de motivações religiosas, políticas, econômicas ou quaiquer que forem e nem sempre seus atos estarão atrelados a vontades políticas, econômicas e deter caráter telúrico. Um exemplo de partisan pode ser considerado o Che Guevara, que era contra o modelo político-econômico de Cuba e se opunha contra o mesmo, resultando no início de um movimento revolucionário no país. Che Guevara utilizava táticas de guerrilha, além de ser um combatente irregular. Seu intuito era derrubar o governo, não instaurar terror sem finalidade política. Por outro lado, um exemplo de terrorismo pode ser o ato terrorista na Inglaterra em 2005, no qual três vagões do metrô foram atingidos por bombas, deixando 52 pessoas mortas e mais de 700 feridas. Esse ato claramente não foi direcionado ao governo inglês, mas sim com finalidade de causar terror naqueles que permaneceram vivos e aqueles que perderam entes queridos no ataque. No terrorismo o pós ataque também é muito importante e é nele que se pode observar os vestígios de um ato terrorista por meio das heranças deixadas pelo mesmo: o terror.

Desta forma, o Hamas, cuja trajetória ilustra a fluidez entre resistência política e ação terrorista. Fundado em 1987, durante a Primeira Intifada, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) surgiu como um braço da Irmandade Muçulmana na Palestina, com o propósito de mobilizar a sociedade contra o Estado israelense. No início, o grupo atuava principalmente em frentes sociais e religiosas, oferecendo serviços comunitários e organizando estruturas políticas locais. Ao longo dos anos 1990, porém, o Hamas passou a adotar táticas terroristas e atentados suicidas contra civis e alvos israelenses, justificando suas ações como resistência legítima. Essa virada estratégica provocou uma mudança drástica em sua percepção internacional: os Estados Unidos designaram o Hamas como organização terrorista em 1995, seguidos por Canadá, União Europeia, Japão e Reino Unido.

Com a vitória eleitoral em 2006 e o controle da Faixa de Gaza em 2007, o Hamas transformou-se em um ator político híbrido — simultaneamente governo local, movimento social e grupo armado. Essa condição paradoxal acentuou o debate sobre sua natureza: seria o Hamas um governo legítimo eleito democraticamente ou uma organização terrorista? A resposta hoje, é muito simples. O Hamas tornou-se ao longo da história um grupo terrorista que é reconhecido como tal não somente pelos Estados Unidos da América, mas também países árabes, os quais são contra a existência de Israel, que condenam os atos do grupo, alegando postura terrorista.

Contudo, à luz da evolução histórica do grupo e de suas práticas reiteradas de violência deliberada contra civis, é possível afirmar que o Hamas se tornou, ao longo do tempo, uma organização terrorista. Sua trajetória revela uma transição gradual de movimento político-religioso de resistência para uma entidade militarizada que faz uso sistemático do terror como instrumento de ação política. O emprego de ataques suicidas, sequestros e bombardeios indiscriminados, bem como a instrumentalização da população civil como escudo humano, consolidaram seu enquadramento internacional como grupo terrorista. Embora mantenha uma estrutura política e administrativa em Gaza, o Hamas adota métodos que ultrapassam os limites da resistência legítima e se enquadram no conceito de terrorismo reconhecido pela ONU e por diversas legislações nacionais. Assim, sua história demonstra como um movimento originalmente político pode, pela radicalização de suas estratégias e pela adoção da violência como linguagem central, transformar-se em um ator terrorista no cenário internacional contemporâneo.

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